Vanguardeando Blog

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domingo, 6 de junho de 2010

Encontrando J.Laplanche e J.-B. Pontalis – papos psicanalíticos na Casa Cavé ou PULSÃO (ou a Pulsão nossa de cada dia, todos os dias)





  • Processo dinâmico que consiste numa pressão ou (carga energética , fator de motricidade) que faz tender o organismo para um alvo. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão); o seu alvo é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir seu alvo.

§        I. – Do ponto de vista terminológico, o termo pulsion foi introduzido nas traduções francesas de Freud como equivalente do alemão Trieb e para evitar as implicações de termos de uso mais antigo como instinkt (instinto) ou tendance (tendência). Esta convenção, que nem sempre se respeitou, é todavia justificada.

1.     Na língua alemã existem os dois termos Instinkt e Trieb. O termo Trieb é de raiz germânica, de uso muito antigo, e conserva sempre a tonalidade de impulsão (treiben = impelir); a acentuação incide menos numa finalidade definida do que numa orientação geral, e sublinha o caráter irreprimível da pressão mais do que a fixidez do alvo e do objeto.

Certos autores parecem empregar indiferentemente os termos Instinkt ou Trieb (α); outros parecem operar uma distinção implícita reservando Instinkt para designar, em zoologia, por exemplo, um comportamento hereditariamente fixado e que aparece sob uma forma quase idêntica em todos os indivíduos de uma espécie (1).

2.     Em Freud encontramos os dois termos em acepções nitidamente distintas. Quando Freud fala de Instinkt qualifica um comportamento animal fixado por hereditariedade, característico da espécie, pré-formado no seu desenvolvimento e adaptado ao seu objeto.

Na nossa língua, como na francesa, o termo instinto tem as mesmas implicações que Instinkt tem em Freud, e deve, portanto, em nossa opinião, ser reservado para traduzi-lo; se for utilizado para traduzir Trieb, falseia o uso da noção em Freud.
O termo “pulsão”, embora não faça parte da língua como Trieb em alemão, tem contudo o mérito de pôr em evidência o sentido de impulsão.
Note-se que a Standard Edition inglesa preferiu traduzir Trieb por Instinct, afastando outras possibilidades como drive e urge (β).
Esta questão é discutida na Introdução geral do primeiro volume da Standard Edition.

II. – Embora o termo Trieb só apareça nos textos freudianos em 1905, tem a sua origem como noção energética na distinção que desde cedo Freud opera entre dois tipos de excitação (Reiz) a que o organismo está submetido e que tem de descarregar em conformidade com o princípio de constância*. Ao lado das excitações externas a que o indivíduo pode fugir ou de que pode proteger-se, existem fontes internas portadoras constantes de um afluxo de excitação a que o organismo não pode escapar e que é o fator propulsor do funcionamento do aparelho psíquico.
Os três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie, 1905) introduzem o termo Trieb, assim como as distinções, que a partir de então nunca mais deixarão de ser utilizadas por Freud, entre fonte*, objeto e alvo.
É na descrição da sexualidade humana que se delineia a noção freudiana da pulsão. Freud, baseando-se designadamente no estudo das perversões e das modalidades da sexualidade infantil, ataca a chamada concepção popular que atribui à pulsão um alvo e um objeto específico e a localiza nas excitações e no funcionamento do aparelho genital. Mostra pelo contrário como o objeto é variável, contingente, e como só é escolhido sob sua forma definitiva em função das vicissitudes da história do indivíduo. Mostra ainda como os alvos de múltiplas e suscetíveis de assumirem e conservarem  para o indivíduo uma função predominante (zonas erógenas), pois que as pulsões parciais não se subordinam à zona genital e não se integram na realização do coito senão ao termo de uma evolução complexa que a maturidade biológica não chega para garantir.
O ultimo elemento que Freud introduz a propósito da noção de pulsão é o de pressão ou força, concebida como um fator quantitativo econômico, uma “exigência de trabalho imposta ao aparelho psíquico” (2 a). É em Pulsões e Destinos das Pulsões (Trieb und Triebschicksale, 1915) que Freud reúne estes quatro elementos – pressão, fonte, objeto, alvo – e apresenta uma definição de conjunto da pulsão (2 b).

III. – Como situar esta força que ataca o organismo a partir de dentro e o impele a realizar certas ações suscetíveis de provocarem uma descarga de excitação? A questão, posta por Freud, recebe respostas diversas na exata medida em que a pulsão é definida como “um conceito-limite entre o psiquismo e o somático” (3). Ela está ligada para Freud à noção de “representante”, pela qual ele entende uma espécie de delegação enviada pelo somático ao psiquismo.

IV. – A noção de pulsão é, como já indicamos, analisada segundo o modelo de sexualidade, mas na teoria freudiana a pulsão sexual é desde logo contraposta a outras pulsões. Sabemos que a teoria das pulsões em Freud se mantém sempre dualista; o primeiro dualismo invocado é o das pulsões sexuais* e das pulsões do ego* ou da autoconservação*; por estas ultimas Freud entende as grandes necessidades ou as grandes funções indispensáveis à conservação do indivíduo, cujo modelo é a fome e a função de alimentação.
Segundo Freud, este dualismo opera desde as origens da sexualidade, pois que a pulsão sexual se destaca das funções de autoconservação em que a principio se apoiava; procura ele explicar o conflito psíquico, pois o ego encontra na pulsão de autoconservação o essencial da energia necessária à defesa contra a sexualidade.
O dualismo pulsional introduzido por Para Além do Princípio de Prazer (Jenseits des Lustprinzips, 1920) contrapõe pulsões de vida* e pulsões de morte* e modifica a função e a situação das pulsões no conflito.

1.      O conflito tópico (entre a instância defensiva e a instância recalcada) já não coincide com o conflito pulsional, pois o id* é concebido como reservatório pulsional que inclui os dois tipos de pulsões. A energia utilizada pelo ego* é retirada deste fundo comum, nomeadamente sob forma de energia “desexualizada e sublimada”.
2.      Os dois grandes tipos de pulsões, nesta ultima teoria, são menos postulados como motivações concretas do próprio funcionamento do organismo do que como princípios fundamentais que em ultima análise regulam a atividade deste: “Damos nome de pulsões às forças que postulamos por detrás das tensões geradoras de necessidades do id” (4). Esta mudança de acentuação é particularmente sensível no famoso texto: “A teoria das pulsões é por assim dizer a nossa mitologia. As pulsões são seres míticos, grandiosos na sua indeterminação” (5).
A concepção freudiana da pulsão conduz – e percebemo-lo apenas com este simples esboço – a uma explosão da noção clássica de instinto, e isto em duas direções opostas. Por um lado, o conceito de “pulsão parcial” sublinha a idéia de que a pulsão sexual existe em primeiro lugar no estado “polimorfo” e visa principalmente a supressão da tensão ao nível da fonte corporal, de que ela se liga na história do indivíduo a representantes que especificam o objeto e o modo de satisfação: a pressão interna, de início indeterminada, sofrerá um destino que a assinala com traços altamente individualizados. Mas, por outro lado, Freud, longe de postular por detrás de cada tipo de atividade uma força biológica correspondente (ao que são facilmente levados os teóricos do instinto), faz entrar o conjunto das manifestações pulsionais numa grande oposição fundamental, aliás, tirada da tradição mítica: oposição da Fome e do Amor e, depois, do Amor e da Discórdia.

v     (α) Cf. por exemplo A Noção de Instinto Ontem e Hoje (Der Bregiff des Instinktes eins und jeizt, Iéna, 3ª ed., 1920), onde Ziegler fala umas vezes de Geschlechtstrieb e outras de Geschlechtsinstikt.
(β) Certos autores anglo-saxonicos preferem traduzir Trieb por drive. (6).

(1)   Cf. HEMPELMANN (F.), Tierpsychologie, Akademische Verlagsgesellschaft, Leipizig, 1926. Passim.
(2)   FREUD (s.), Trieb und Triebschicksale, 1915. – a) G.W., X, 214; S. E., XIV, 122; Fr., 33. – b) Cf. G.W., X, 214-5; S.e., XIV, 122; Fr., 33-4
(3)   FREUD (s.), Drei Abhandlugen zur Psychologie, 1905. G.W., V, 67; S.E., VII, 168; Fr., 56.
(4)   FREUD (s.), Abriss der Psychoanalyse, 1938. G.W., XVII, 70; S.E., XXIII, 148; Fr., 130.
(5)   FREUD (s.), Neue Folge der Vorlesungen zur Einfübrung in die Psychoanayise, 1932. G.W., XV, 101; S.E., XXII. 95; Fr., 130.
Cf. por exemplo: Kris (e.), HARTMANN (H.), LOWENSTEIN (R.), Notes on the theory of aggression, in Psychoanlytic Study of the Child, 1946, III-IV, 12-3.

Um comentário:

Gláucia Luciana disse...

Interessante o seu blog. Virei mais vezes aqui!