NEGAÇÃO
Esta palavra exige em primeiro lugar algumas observações de ordem terminológica.
Na consciência lingüística comum, nem sempre existem para cada língua distinções nítidas entre os termos que significam a ação de negar, e ainda menos existem correspondências bi-unívocas entre os diversos termos de uma língua a outra.
Em alemão, Verneinung designa a negação no sentido lógico ou gramatical do termo (não existe o verbo neinen ou beneinen), mas também a denegação no sentido psicológico (recusa de uma afirmação que enunciei ou que me atribuem, por exemplo: não, eu não disse isso). Verleugnen (ou leugnen) aproxima-se de verneinen tomado neste segundo sentido: renegar, denegar, retratar, desmentir.
Em francês, podemos distinguir por um lado négation, no sentido gramática ou lógico, e por outro dénegation ou déni, que implicam contestação ou recusa.
Na acepção freudiana: parece que estamos autorizados a distinguir duas utilizações diferentes para verneinen e verleugnen. Verleugnen tende efetivamente, para o fim da obra de Freud, a ser reservado para designar a recusa da percepção de um fato que se impõe no mundo exterior; em inglês, os editores da Standard Edition, que reconheceram o sentido específico que em Freud assume Verleugnung, decidiram traduzir este termo por disavowall. Propomos a tradução de recusa.
Quanto ao emprego por Freud do termo Verneinung, a ambigüidade “negação-denegação” não pode deixar de se apresentar ao leitor de língua portuguesa. Talvez até esta ambigüidade seja um dos elementos propulsores da riqueza do artigo que Freud consagrou à Verneinung. É impossível ao tradutor optar em cada passagem por negação ou “denegação”.
Note-se também se encontra às vezes em Freud o termo alemão de origem latina Negation.
Nem sempre até ao presente tem sido feitas na literatura psicanalítica e nas traduções as distinções terminológicas e conceituais do gênero que aqui propomos. E foi assim que o tradutor francês de O Ego e os Mecanismos de Defesa (Das Ich und die Abwehrmechanismen, 1936), de Anna Freud, traduz por négation o termoVerleugnung, que a autora emprega nun sentido semelhante ao de S.Freud.
Foi na experiência do tratamento que Freud pôs em evidência o processo de negação. Desde cedo, ele encontrou, nos histéricos que tratava de forma especial forma de resistência: “... quanto mais vamos ao fundo, mais dificilmente são admitidas as recordações que emergem, até o momento em que já perto do núcleo encontramos algumas que o paciente recusa, mesmo quando a reproduz”.
O “Homem dos Ratos” dá-nos um bom exemplo de negação: ele pensara em criança que havia de obter o amor de uma menina se fosse atingido por uma desgraça: “... a idéia que se lhe impôs foi a de que a desgraça podia ser a morte do pai. Repeliu a imediatamente esta idéia energicamente; ainda hoje se defende contra a possibilidade de ter podido assim exprimir um “desejo”. Tratava-se apenas de uma “associação de idéias”. – Objeto-lhe eu: se não era um desejo, então porquê ergue-se contra ele? – Simplesmente devido ao conteúdo de representação de que o meu pai possa morrer”.
A seqüência da análise vem provar que existia justamente um desejo hostil para com o pai: “... ao primeiro “não” de recusa vem juntar-se imediatamente uma confirmação, a principio indireta “.
A idéia de que a tomada de consciência do recalcado se assimila muitas vezes no tratamento pela negação situa-se no ponto de partida do artigo que Freud consagra a esta em 1925. “Não há prova mais forte de que conseguimos descobrir o incosciente do que vermos reagir o analisado com palavras: “Não pensei isso”, ou “não (nunca) pensei isso”.
A negação conserva o mesmo valor de confirmação quando se opõe à interpretação do analista. Daí uma objeção de principio que não escapa a Freud: essa hipótese não correrá o risco, pergunta ele em Construções na Análise (Konstruktionen in der Analyse, 1937), de garantir sempre o triunfo do analista? “... Quando o analisando nos aprova, tem razão, mas quando nos contradiz isso não passará de um sinal de resistência, e assim mais uma vez nos dá razão”.
Freud apresentou para estas criticas uma resposta ponderada, incitando o analista a procurar a confirmação no contexto ou na evolução da do tratamento. Nem por isso, é menos verdade que a negação tem para Freud o valor de um índice que assinala o momento em que uma idéia ou desejo inconscientes começam a ressurgir, e isto tanto no tratamento como fora dele.
1) “A negação é um meio de tomar a consciência do recalcado (...);
2) “... O que é suprimido é apenas uma das conseqüências do processo de recalcamento, isto é, o fato de o conteúdo representativo não atingir a consciência. Daí, resulta uma espécie de admissão intelectual do recalcado, enquanto persiste o essencial do recalcamento;
3) “Por meio do símbolo da negação, o pensamento liberta-se das limitações do recalcamento...”.
Esta ultima afirmação mostra que para Freud a negação de que trata a psicanálise e a negação no sentido lógico e lingüístico (o “símbolo da negação”) tem a mesma origem, o que constitui a tese principal do seu artigo.
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