Vanguardeando Blog

Vanguardeando Blog

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Encontrando J.Laplanche e J.-B. Pontalis – papos psicanalíticos na Casa Cavé ou NEGAÇÃO (ou a Negação nossa de cada dia, todos os dias)

NEGAÇÃO
Esta palavra exige em primeiro lugar algumas observações de ordem terminológica.
Na consciência lingüística comum, nem sempre existem para cada língua distinções nítidas entre os termos que significam a ação de negar, e ainda menos existem correspondências bi-unívocas entre os diversos termos de uma língua a outra.
Em alemão, Verneinung designa a negação no sentido lógico ou gramatical do termo (não existe o verbo neinen ou beneinen), mas também a denegação no sentido psicológico (recusa  de uma afirmação que enunciei ou que me atribuem, por exemplo: não, eu não disse isso). Verleugnen (ou leugnen) aproxima-se de verneinen  tomado neste segundo sentido: renegar, denegar, retratar, desmentir.
Em francês, podemos distinguir por um lado négation, no sentido gramática ou lógico, e por outro dénegation ou déni, que implicam contestação ou recusa.
Na acepção freudiana: parece que estamos autorizados a distinguir duas utilizações diferentes para verneinen e verleugnen. Verleugnen tende efetivamente, para o fim da obra de Freud, a ser reservado para designar a recusa da percepção de um fato que se impõe no mundo exterior; em inglês, os editores da Standard Edition, que reconheceram o sentido específico que em Freud assume Verleugnung, decidiram traduzir este termo por disavowall. Propomos a tradução de recusa.
Quanto ao emprego por Freud do termo Verneinung, a ambigüidade “negação-denegação” não pode deixar de se apresentar ao leitor de língua portuguesa. Talvez até esta ambigüidade seja um dos elementos propulsores da riqueza do artigo que Freud consagrou à Verneinung. É impossível ao tradutor optar em cada passagem por negação ou “denegação”.
Note-se também se encontra às vezes em Freud o termo alemão de origem latina Negation.
Nem sempre até ao presente tem sido feitas na literatura psicanalítica e nas traduções as distinções terminológicas e conceituais do gênero que aqui propomos. E foi assim que o tradutor francês de O Ego e os Mecanismos de Defesa (Das Ich und die  Abwehrmechanismen, 1936), de Anna Freud, traduz por négation o termoVerleugnung, que a autora emprega nun sentido semelhante ao de S.Freud.

Foi na experiência do tratamento que Freud pôs em evidência o processo de negação. Desde cedo, ele encontrou, nos histéricos que tratava de forma especial forma de resistência: “... quanto mais vamos ao fundo, mais dificilmente são admitidas as recordações que emergem, até o momento em que já perto do núcleo encontramos algumas que o paciente recusa, mesmo quando a reproduz”.
O “Homem dos Ratos” dá-nos um bom exemplo de negação: ele pensara em criança que havia de obter o amor de uma menina se fosse atingido por uma desgraça: “... a idéia que se lhe impôs foi a de que a desgraça podia ser a morte do pai. Repeliu a imediatamente esta idéia energicamente; ainda hoje se defende contra a possibilidade de ter podido assim exprimir um “desejo”. Tratava-se apenas de uma “associação de idéias”. – Objeto-lhe eu: se não era um desejo, então porquê ergue-se contra ele? – Simplesmente devido ao conteúdo de representação de que o meu pai possa morrer”.
A seqüência da análise vem provar que existia justamente um desejo hostil para com o pai: “... ao primeiro “não” de recusa vem juntar-se imediatamente uma confirmação, a principio indireta “.
A idéia de que a tomada de consciência do recalcado se assimila muitas vezes no tratamento pela negação situa-se no ponto de partida do artigo que Freud consagra a esta em 1925. “Não há prova mais forte de que conseguimos descobrir o incosciente do que vermos reagir o analisado com palavras: “Não pensei isso”, ou “não (nunca) pensei isso”.
A negação conserva o mesmo valor de confirmação quando se opõe à interpretação do analista. Daí uma objeção de principio que não escapa a Freud: essa hipótese não correrá o risco, pergunta ele em Construções na Análise (Konstruktionen in der Analyse, 1937), de garantir sempre o triunfo do analista? “... Quando o analisando nos aprova, tem razão, mas quando nos contradiz isso não passará de um sinal de resistência, e assim mais uma vez nos dá razão”.
Freud apresentou para estas criticas uma resposta ponderada, incitando o analista a procurar a confirmação no contexto ou na evolução da do tratamento. Nem por isso, é menos verdade que a negação tem para Freud o valor de um índice que assinala o momento em que uma idéia ou desejo inconscientes começam a ressurgir, e isto tanto no tratamento como fora dele.
1)      “A negação é um meio de tomar a consciência do recalcado (...);
2)      “... O que é suprimido é apenas uma das conseqüências do processo de recalcamento, isto é, o fato de o conteúdo representativo não atingir a consciência. Daí, resulta uma espécie de admissão intelectual do recalcado, enquanto persiste o essencial do recalcamento;
3)      “Por meio do símbolo da negação, o pensamento liberta-se das limitações do recalcamento...”.





Esta ultima afirmação mostra que para Freud a negação de que trata a psicanálise e a negação no sentido lógico e lingüístico (o “símbolo da negação”) tem a mesma origem, o que constitui a tese principal do seu artigo.

Nenhum comentário: