Afinal o que vem a ser Eros, o Amor? Uma palavra, um conceito, um sentimento, um Deus?
É possível uma definição completa, definitiva e irrevogável sobre ele?
Bem, o amor tem em si uma determinada plasticidade e penetrabilidade ímpar. Pode-se dizer que o amor perpassa a si mesmo. Desvela-se sob e sobre si. Constante e mutável. Talvez, conceitualmente indefinível através de uma atitude pragmática. O amor de certa forma também é uma postura diante da vida, o amor permeia a vida, fora a fora e por cada parte do seu interior.
Quando pensamos sobre o amor, qual o “amor” estamos nos referindo? Será um amor fraternal, que se dá entre amigos, pais e filhos e familiares; pensamos em nossa profissão, estudos e demais empreitadas as quais nos dedicamos com zelo? Pensamos no amor que temos e sentimos com nosso amante ou amado?
Num contexto platônico o amor é demonstrado presente em diversas manifestações, o amor possui este formato elástico e multiforme. Onipresente. Platão em sua obra Simpósio, ou mais comumente conhecido como O Banquete, nos revela esta multiplicidade que o amor desprende à aqueles que querem vivenciá-lo, vivê-lo. Os personagens desta história enveredam por caminhos diversos, diversas paisagens, folhagens e aromas. Platão põe na boca de cada um a multiplicidade contida nesta “coisa” aparentemente una que é o amor. Eros um deus que habita e age, para e com os humanos. Mortais, frágeis, carentes, limitados e corruptíveis. Eros ora mortal e por isso padece. Porém, revive novamente, instaurando um ciclo eterno. Dando ao finito uma aparência de infinito. Eros perpassando a tudo e todos. Pois o amor é contido de inúmeros elementos que se agregam, que o compõe. A philia, o desejo, a vontade, o querer bem, a justiça... O apropriar-se deste bem querer, para atingir o que há de bom, belo e excelente. Através de Eros conseguir viver uma vida digna de ser vivida.
Conhecendo a vida com sua característica efêmera, sua transitoriedade e fluidez. Ciente da existência de um destino mas não vivendo em função dele, porque dele mesmo pouco se sabe, ou nada se sabe. Só se sabe, que ele existe, e talvez por isso devêssemos ser mais aguerridos na grande batalha. Um Aquiles, que não abre mão de toda a excitação da incerteza de suas vicissitudes, não abre mão da dor e das alegrias que é se projetar ao desconhecido e fabuloso ato de ser alguém que vive a vida com suas paixões e ódios. Ele opta por uma vida que tenha dor, mas que tenha paixão, do que viver na tranqüilidade perturbadora do sofrimento, por temer arriscar-se a ser mais vivo, mais feliz. Por temer não conseguir amar a vida com suas contingências por vezes nefastas e peçonhentas (incontroláveis).
Em Feast of Love, um cardápio variado é servido, com os mesmo pratos que nos são servidos todos os dias. A saber, viver. E viver é também, e muito, amar. Um amor amplo. Contingência inominável. Um viver amando nos encontros e desencontros. Um extenuante desvelamento de Eros. Os afetos surgem e se transformam numa guerra dos contrários heraclitiano. Um devir, um fogo, um amor que se quer compelido dar, e tenta desesperadamente encontrar quem o apreenda, se aproprie de forma voluptuosa e ensandecida. Um amor dionisíaco que manda as favas a falsa temperança harmônica apolínea. Neste pedaço de vida e amor na película, Robert Benton revela dor e gozo como um par quase ideal, numa dança cujo o ritmo que embala o casal, dor e gozo, vacila a surgir.
Benton, evita a esperança e opta por perspectivas, rejeita cores berrantes e pinta seus quadros com nuances e sombras, branco, preto e cinza. Seus quadros são claros e não coloridos.
Quando se ama doa, porque você só doa aquilo que tem. E o que cada um passa frame to frame, é amor, que se dá, o amor doado. Amor que suas personagens dão. Amor que se esvai, mas não se esgota, não se finda.
Construindo um mundo possível, para isso faz-se imperativo não temer o desconhecido. Não permanecer mais no abrigo seguro e sombrio. Desejar e ter uma vontade eloqüente de conhecer outras formas, ou até mesmo se há outras formas, outras cores, sons e tudo mais. Enfim, se é que há algo mais.
Mas há de haver esta curiosidade, uma curiosidade que nos impulsiona a irmos em frente, seguirmos a diante, em busca do que supomos crer existir, lá fora,
“...Suponhamos uns homens numa habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se estende a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá dentro desde a infância, algemados de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás deles; entre a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do qual se construiu um pequeno muro...
Visiona também ao longo deste muro, homens que transportam toda a espécie de objetos, que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de pedra e de madeira, de toda a espécie de lavor; como é natural, dos que os transportam, uns falam, outros seguem calados.
Estranho quadro e estranhos prisioneiros são esses...
Semelhantes a nós... -. Em primeiro lugar, pensas que, nestas condições, eles tenham visto, de si mesmo e dos outros, algo mais que as sombras projetadas pelo fogo na parede oposta da caverna?
...Eles forçados a manter a cabeça imóvel toda a vida?
E os objetos transportados? Não se passa o mesmo com eles?
...
Então, se eles fossem capazes de conversar uns com os outros, não te parece que eles julgariam estar a nomear objetos reais, quando designavam o que viam?
...
E se a prisão tivesse também um eco na parede do fundo? Quando algum dos transeuntes falasse, não te parece que eles não julgariam outra coisa, senão que era a voz da sombra que passava?
...
... pessoas nessas condições não pensavam que a realidade fosse senão a sombra dos objetos.
...
... o que aconteceria se eles fossem soltos das cadeias e curados da sua ignorância, a ver se, regressados à sua natureza, as coisas se passavam deste modo. Logo que alguém soltasse um deles, e o forçasse a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objetos cujas sombras via outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém lhe afirmasse que até então ele só vira coisas vãs, ao passo que agora estava mais perto da realidade e via de verdade, voltado para objetos mais reais? E se ainda, mostrando-lhe cada um desses objetos que passavam, o forçassem com perguntas a dizer o que era? Não te parece que ele se veria em dificuldades e suporia que os objetos vistos outrora eram mais reais do que os que agora lhe mostravam?
...
Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a própria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto dos objetos para os quais podia olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais nítidos do que os que lhe mostravam?
...
E se o arrancassem dali à força e o fizessem subir o caminho rude e íngreme, e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até à luz do Sol, não seria natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim arrastado, e, depois de chegar à luz, com os olhos deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo que agora dizemos serem os verdadeiros objetos?
...
Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse ver o mundo superior. Em primeiro lugar, olharia mais facilmente para as sombras, depois disso, para as imagens dos homens e dos outros objetos, refletidas na água, e, por último, para os próprios objetos. A partir de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das estrelas e da Lua, mais facilmente do que se fosse o Sol e o seu brilho de dia.
...
Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para o Sol e de o contemplar, não já a sua imagem na água ou em qualquer sítio, mas a ele mesmo, no seu lugar.
...
Depois já compreenderia, acerca do Sol, que é ele que causa as estações e os anos e que tudo dirige no mundo visível, e que é o responsável por tudo aquilo de que eles viam um arremedo.
...
E então? Quando ele se lembrasse da sua primitiva habitação, e do saber que lá possuía, dos seus companheiros de prisão desse tempo, não crês que ele se regozijaria com a mudança...”
Não é possível que a philia presente, num grau menor ou maior apresentarmos a outrem a realidade, após participar de forma mais vivaz em nossas vicissitudes? Aonde se revela o impeditivo, para compartilhar nossa visão de mundo, de realidade, no que se concerne a nossa vivência erótica. Ainda, o que é a vivência erótica? No que finda? Finda num gozo advindo de um orgasmo sem sabor, um orgasmo que se dá através do coito alienante, da quente cópula no fundo da caverna fria?
Uma vivência erótica não se dá com caminhadas ao sol preso a pesados grilhões de uma verdade insensata.
Assim como, num banquete não se serve ou degusta restos e sobras. Não há simpósio com prascóvios.
Eros é o belo, porque bela é a verdade. A verdade é compreender e apreender que a realidade se faz vivendo-a, não está pronta dentro de venenosas línguas, corpos sedutores como a luz que atrai os insetos, desejosos de calor, mas não do fogo mortífero.
Nenhum comentário:
Postar um comentário