Vanguardeando Blog

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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sobre coisas que leio na Veja (http://veja.abril.com.br/310310/ideologia-cartilha-p-116.shtml)

“os fenômenos são objetivos, mas a essência só pode ser apreendida no relacionamento com a totalidade. E como estamos falando de fatos sociais, a totalidade é a história como autoprodução humana, totalidade que se abre em possibilidades cuja concretização depende dos sujeitos". "Por isso, captar a essência implica, necessariamente, um grau de adesão ou solidariedade em relação a uma possibilidade determinada, tanto da totalidade histórica quanto do fenômeno que inserido nela vai adquirir seu sentido e significado" (Adelmo Genro)

Na composição da reportagem da revista Veja (http://veja.abril.com.br/310310/ideologia-cartilha-p-116.shtml), obra jornalística, sobre a re-introdução das aulas de filosofia e sociologia no ensino médio, demonstrou que há um limite quase intransponível para uma reflexão maior sobre tal questão. Uma reflexão maior, que transpusesse o limite imposto pela obrigatoriedade de um juízo de valor. Penso também que uma reflexão maior é um caminho sempre a percorrer para uma apreensão e/ou entendimento em permanente construção, “ad continuum”, o que dificilmente há meios de se iniciar e, tão pouco direcionar-se à um concretizando, quando o limite da reflexão é imposto, camuflado e/ou transvertido de juízos de valores, impostações ideológicas e de relativas verdades a serem aceitas.
A obra jornalística ficou muito distante da crítica, da análise, e quiçá, da imparcialidade jornalística o jornalista e professor Perseu Abramo desconstrói o mito da imparcialidade jornalística que – pela hegemonia da escola funcionalista americana no jornalismo mundial – erigiu-se historicamente à condição de "categoria deontológica" do saber-fazer jornalístico ou, em outras palavras, num condicionamento profissional pretensamente situado em formulações éticas. Por outro lado, pretende-se legitimar uma postura ideológica com uma argumentação "metodológica" sobre o processo de investigação da realidade circundante que caracteriza o trabalho social do jornalista. Ainda, tenta-se encarnar neste mesmo trabalho social uma fundamentação epistemológica, como se o objetivo de atingir a "verdade dos fatos" demandasse "naturalmente" algum nível de neutralidade – e ainda – que fosse efetivamente possível. Como se tudo isso fosse necessário pura e simplesmente em função de (nada mais nada menos do que o bom e velho) "bom senso" [...]” [i] Não obstante, se furta em permitir um diálogo reflexivo que nos permita uma participação (e não apenas uma aceitação passiva ou uma negação por via de refutações).
O argumento apresentado, ou melhor, os argumentos apresentados e que são compostos por sua vez, por opiniões, depoimentos, explicações, fragmentos de exposições de algumas aulas, e ainda trechos de ementários da disciplina de alguma escola do ensino médio numa determinada região do país, foram organizados com uma determinada objetividade. Pressupõe que o escopo da obra seja chegar ao cerne de uma verdade inabalável e indiscutível. A “verdade” será não se deve ensinar filosofia e sociologia no ensino médio? Pode até ser “isto” uma “verdade”. Até porque filosofia não se ensina em ensino algum, infantil, fundamental, médio ou superior. Filosofia se apreende. Apreende-se ou não. Filosofia talvez seja para ser vivida sem obrigatoriedade de uma funcionalidade prática ou teórica. O que se aprende e apreende, mesmo na história da filosofia, seja ela antiga, medieval, moderna ou contemporânea. É que ela se constrói num “fluindo”, num “construindo” constante. O que em qualquer sala de aula deve estar passível de perceber, deve estar perceptível, e suponho, ao mesmo tempo crendo, que as demais disciplinas poderiam fazer seus estudantes “experimentarem” isso, se sentirem participativos de um processo que pode ser de construção do que venha ser aquilo que estuda, investiga e descobre (ou até mesmo se encobre, se perde).
Evidenciar um prisma crítico e analítico é a pretensão a priori que a obra jornalística se faz desejosa. O ente substancial, a “verdade”, em vários momentos da constituição da mesma, não consegue emergir do obscurantismo. Obscurantismo que tenta ser iluminado, por opiniões de reconhecidos intelectuais do universo acadêmico e/ou da educação brasileira, mas sem sucesso permanece a penumbra. Todavia, o corte seco e rápido como um vídeo-clipe, e se houvesse um a trilha sonora esta, suponho, estaria em alto volume, não propicia a interação constitutiva da obra jornalística, concernente ao leitor.
O discurso de cada professor estará repleto dos seus apontamentos, análises, críticas, verdades e mentiras que são constituídos e amadurecidos em sua subjetivadade. Por mais que mantenha-se oculto e mudo aromas  e sabores de seus elementos críticos pessoais em algum momento do seu discurso eles apareceram. Seja um professor declaradamente favorável ao movimento político de esquerda ou de direita. Quiçá, de nenhuma corrente política, o apolítico, o indiferente ou até mesmo o cético. O que quero dizer é que não existe imparcialidade. O discurso não permite e o corpo não tolera. O corpo fala, o corpo grita até. Mesmo pressupostamente o mais mudo dos corpos.
Uma reflexão sobre como a academia, a universidade que é a formadora por excelência de excelentes estudantes que virão a ser excelentes professores, supõe-se. Será que os prepara para uma suposta realidade aparentemente imutável e instransponível do ensino médio público brasileiro? Ou toda a imensa gama άριστη irão para uma república chamada instituição ensino superior pública lecionar? O ensino de filosofia dentro da graduação em filosofia na maioria das instituições públicas realmente é para se formar ótimos estudantes para darem continuidade de seus estudos no mestrado e doutorado. Isso é incontestável na maioria das vezes. Porém, será que há uma reflexão dentro da academia formadora de melhores para os melhores que há também uma outra academia que realisticamente e lamentavelmente constatamos que não consegue por em prática sua formação de excelência, a saber, o ensino fundamental e médio da rede pública no Brasil e ainda de contra peso algumas instituições privadas. Tal rede pública desacreditada durante décadas, e sem a intenção de buscar culpados ou responsáveis o governo não é de direita, mesmo após golpe ditatorial e bem antes do golpe sistema econômico, bio-econômico e bio-político não tem sido o capitalismo?
O discurso panfletário dominante e notoriamente visível e com um volume bem maior, em nossa contemporaneidade, não é o direita ou ultra direita. E caindo as máscaras dos reveladores de “verdades” e de roupagens “imparciais” a própria revista não é de direita? "Naturalmente, ao omitir essa discussão, ele adota as acepções correntes que a ideologia dominante atribui a essas palavras. Independência e imparcialidade significam, no fundo, ter como pressuposto que o capitalismo desenvolvido norte-americano e sua hegemonia imperialista é um tipo de sociedade ‘normal’, e deve ser preservada contra todas ‘patologias’ políticas, sociais e econômicas. A exatidão quer dizer, quase sempre, a submissão do jornalista às fontes oficiais, oficiosas ou institucionais. A honradez não é outra coisa senão uma boa reputação entre as instituições da ‘sociedade civil’, no sentido atribuído por Gramsci a essa expressão, isto é, entre aquelas entidades que reproduzem a hegemonia burguesa. A responsabilidade é o respeito às leis e preceitos gerais da ordem estabelecida. A decência significa, como diz o próprio autor, ‘a censura do bom gosto’, ou seja, o reconhecimento da hipocrisia que fundamenta a moral burguesa como um valor digno de ser reverenciado e acatado."[ii]
Creio que realmente alguns aspectos poderiam ter sido explorados e ficaram de fora. Aspectos que citei anteriormente. Aspectos não, divagações que fazem pertinentes para reflexões ávidas de vida. E não se deve negar ninguém a querer viver. Ou não escolhemos o que queremos? Não acreditamos naquilo, ou em algo, ou alguém que desejamos acreditar? “o problema da "objetividade jornalística" encerra pressupostos profunda e marcadamente funcionalistas (e positivistas). Por um lado, apóia-se numa visão que infere "necessidades de informação do organismo social" – do ponto de vista burguês, de uma democracia liberal (com a tão famigerada liberdade de imprensa como alicerce ideológico), porém com pretensões de neutralidade, ou seja, assumindo como "normalidade passível de aceitação" ou "inevitabilidade da natureza" algo que na verdade é uma construção erigida historicamente pela atividade dos homens: o modo de produção capitalista.” [iii]


[i] http://observatoriodaimprensa.com.br/artigos/spe260620021.htm
[ii] Ibidem

[iii] Ibidem

domingo, 4 de abril de 2010

HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA EM WALTER BENJAMIN (Ensaios)

HISTÓRIA, TEMPO E MEMÓRIA EM WALTER BENJAMIN (Ensaios)  escrito em segunda 26 março 2007 11:30





A reflexão filosófico-benjaminiana aponta de forma crítica para a tendência do marxismo - a concepção marxista materialista da história busca controlar as leis do processo do desenvolvimento histórico; controlar a ordem dos eventos – em privilegiar o binômio racionalidade-futuro. Noutras palavras, o pensamento marxiano, dando vazão a que conceitos importantes adquirissem sentidos vagos ou ambíguos, cedeu, desse modo, a interpretações e a apropriações posteriores de caráter simplistas, inadequadas, cujo resultado promoveu sobremaneira a integração do materialismo histórico ao historicismo (grosso modo: a história universal nos leva conhecer todos os pontos do “continuum” histórico) e ao positivismo (grosso modo: trata-se da aplicação do modelo mecanicista da física e da linguagem matemática na interpretação da realidade humana). Com efeito, Walter Benjamin é contra o “casamento” da história com a técnica, defendido pelas indevidas apropriações do pensamento marxista, cujo resultado se expressa no conhecido “marxismo vulgar”. Contra tal estado de coisas, Benjamin insurge-se, afirmando:

“A teoria e, mais ainda, a prática da social-democracia foram determinadas por um conceito dogmático de progresso sem qualquer vínculo com a realidade. Segundo os social-democratas, o progresso era, em primeiro lugar, um progresso da humanidade em si, e não de suas capacidades e conhecimentos (...).” (1)

   É preciso frisarmos que Walter Benjamin não nega a capacidade da progressividade humana, mas nega a idéia de progresso inscrita em teorias da história com bases na escatologia. E Benjamin prossegue, acentuando que:

“O historicismo culmina legitimamente na história universal (...) A história universal não tem qualquer armação teórica. Seu procedimento é aditivo. Ela utiliza a massa dos fatos, para com eles preencher o tempo homogêneo e vazio (...).” (2)

   Basicamente, cabe a esta crítica benjaminiana resgatar a liberdade transcendental e a individualidade como valores fundamentais do ser humano; ou mais particularmente, resgatar a subjetividade humana no sentido dela se autopropor como sujeito, pois a idéia do processo histórico como progresso linear, mais do que a realização da razão (projeto do pensamento iluminista), apresentou-se, também, na constatação dos representantes da Escola de Frankfurt (em especial, Theodor Adorno e Max Horkheimer), como algo destruidor da própria razão. É o que se confirma nas belas e trágicas páginas da “Dialética do Esclarecimento”.
   Como podemos constatar nas teses “Sobre o conceito de história” (1940), para Benjamin, a historicidade, de acordo como os homens a fazem, é sempre marcada por rupturas, e não por um movimento contínuo e linear. A história realiza-se em movimentos que, a princípio, poderiam ser diferentes, ou seja, a concepção benjaminiana de tempo perdido não se encontra no passado, mas no “futuro”, isto é, nos sonhos, nos desejos, nas aspirações do não-realizado, daquilo que não chegou a se concretizar, mas que ainda se encontra voltado para o porvir - qual uma utopia retrospectiva.

   Já foi dito que sem ser poeta, Walter Benjamin pensava o mundo poeticamente (Arendt, 1987). Assim, na teoria benjaminiana da modernidade, o herói moderno é representado pela figura do flâneur – do poeta, isto é, do “gauche”, do deslocado nas grandes metrópoles:

“Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais (...).” (3)

   Desse modo, consoante Benjamin, o poeta é aquele que “dá as costas ao cortejo infernal...”; é aquele que não se entrega ao sistema; é aquele que declara guerra com a prática da flânerie. Assim, investigando o lirismo inscrito nos versos de Charles Baudelaire, Benjamin recupera e registra, em seus escritos, a alegoria da caducidade moderna. É com Flores do Mal, com flores doentias: temas, posturas, comportamentos etc., enfim, com o lixo humano, que Benjamin se inicia em seus escritos literários. Nestes, os heróis são aqueles que estão à margem da sociedade (o marxismo buscou controlar as leis do desenvolvimento da história, procurando controlar a ordem dos eventos históricos, como já afirmamos. Ao contrário, na concepção benjaminiana de história há um efeito libertador, quando Benjamin fala em margens!), como por exemplo, os trapeiros, os velhos, os marginalizados, os michês, os invertidos, os inadaptados, as prostitutas, as crianças, os tímidos, os desajeitados, os deslocados, os anjos...

EIA, UM POETA INVADE O TEXTO!

“Veio para ressuscitar o tempo
e escalpelar os mortos,
as condecorações, as liturgias, as espadas,
o espectro das fazendas submergidas,
o muro de pedra entre membros da família,
o ardido queixume das solteironas,
os negócios de trapaça, as ilusões jamais confirmadas
nem desfeitas.
Veio para contar
o que não faz jus a ser glorificado
e se deposita, grânulo,
no poço vazio da memória.
É importuno,
sabe-se importuno e insiste,
rancoroso, fiel.”

(O HISTORIADOR, Carlos Drummond de Andrade)

UM BRINDE ÀS MUSAS!

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Digressão: _ Parafraseando Hannah Arendt, os poetas são para se falar ou para se citar?
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   Na verdade, sob a ótica da filosofia da história benjaminiana, não se trata de tornar o mundo um grande museu, mas de recuperar o que foi perdido, sobretudo por meio da rememoração poética. Habilmente (e ardilosamente) preso às matrizes filosófico-religiosas de uma perspectiva messiânica e secundado pela imaginação poética, Benjamin inverte a direção da historiografia cientificista moderna, pois, enquanto a última pensa na salvação das gerações futuras, Benjamin volta seu olhar retrospectivo para as gerações passadas, com a finalidade de atender os apelos, os ecos das vozes daqueles que foram vencidos pela história, pela barbárie, na qual se impõe a cultura ou a tradição triunfante, que resulta na historiografia dos vencedores.
   Com efeito, é mediante tal crítica contundente - sobretudo nas também chamadas “Teses” sobre a história – ao historicismo oficial, assim como à concepção de idéia de progresso, que Benjamin procura reconfigurar a autêntica atividade do historiador materialista: o responsável pela restituição da história dos vencidos, assentada na ruptura, e não na continuidade, que resulta na falsa idéia de progresso contínuo e linear do processo histórico.
   Assim, compreendendo o passado como fundamental no trabalho de recuperação das experiências silenciadas, perdidas, estabelece-se a trajetória teórico-benjaminiana em direção às origens, mediante um estudo crítico-literário conduzido no interior de uma pesquisa crítico-historiográfica. Para tanto, o espólio benjaminiano tece um diálogo permanente com uma vasta gama de escritores modernistas, especialmente com os não legitimados e com os poetas malditos da modernidade, isto é, um diálogo junto aos vencidos tanto no campo estético quanto no artístico.
   Por fim, para Benjamin, a difícil questão a refletir sobre a memória não reside naquilo que é possível rememorar (o conteúdo da memória é a lembrança, mas a memória é quem capta a lembrança), mas em saber como lidar com o silêncio, com o esquecimento...

“Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas
muito mais que lindas
essas ficarão.”

(MEMÓRIA, Carlos Drummond de Andrade)
     

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NOTAS

1 e 2. Walter Benjamin, “Sobre o conceito de história” (teses 13 e 17, respectivamente) in BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas, volume I. pp.229-231. São Paulo. Brasiliense, 1985.

3. Idem, (tese 7) in op.cit., p 225.


BIBLIOGRAFIA

ADORNO, T., HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. 2 ed. Tradução Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova Reunião. 4 v. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1983.

ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Cia das Letras, 1987.

BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. Tradução José Carlos Martins Barbosa, Hemerson Alves Baptista. Obras Escolhidas III. São Paulo: Brasiliense, 1989.

_______________. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução Sergio Paulo Rouanet. Obras Escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1985.

MEDEIROS, Sílvio. Moral e Política em Hannah Arendt e Walter Benjamin: uma abordagem crítica da Sociedade Tecnológica e conseqüências – a crise ética e a descrença generalizada nos valores tradicionais. Tese de dissertação de Mestrado em Filosofia. Bancos de Teses da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp/ FE – Faculdade de Educação ) e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas/PUC-Campinas, 1994.

 

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

Campinas, é novembro de 2006



SÍLVIO MEDEIROS
Publicado no Recanto das Letras em 09/11/2006
Código do texto: T286167